Talvez você nunca tenha reparado, mas só nesse primeiro versículo da carta de Tiago, já temos muita coisa a aprender.

E você pode até pensar: “Como assim? O autor está apenas se apresentando e mandando saudações ao seu público original.”

Mas, quando paramos um pouco pra analisar quem era Tiago, autor dessa carta, e pensarmos na história dele, veremos que as palavras “servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo” têm um peso muito maior do que imaginávamos.

Quem era Tiago?

Embora haja certa discussão entre os estudiosos sobre a autoria dessa carta, os cristãos primitivos e grande parte da tradição cristã entende que o autor é Tiago, líder da igreja em Jerusalém e irmão de Jesus. ¹

Considerando que esse Tiago era irmão de Jesus (Mt. 13:55 e Mc. 6:3), sabemos que ele nasceu em meio à uma família devota ao Senhor e seguramente cresceu estudando as Escrituras. Algumas tradições relatam até que ele teria sido nazireu. ²

Porém, João 7:5 nos mostra que os irmãos de Jesus não criam que ele era o Messias e não são mencionados nos relatos do julgamento e execução de Jesus. Entretanto em Atos 1:14 vemos que, após a crucificação, a família de Jesus se reunia em oração com os discípulos.

Outro relato que temos sobre Tiago é feito pelo apóstolo Paulo em 1 Coríntios 15:7, dizendo que ele teve um encontro com Cristo após a ressurreição. O conteúdo dessa conversa não sabemos e creio que nem precisemos. O que fica evidente é a transformação na vida de Tiago e no seu entendimento acerca do seu irmão.

Ainda no livro de Atos vemos a grande influência que Tiago passou exercer nos primeiros anos da Igreja. Se tornou um líder reconhecido até mesmo pelos outros apóstolos (ver At. 12:17, 15:14-21, 21:18, Gl. 1:19, 2:9). Além disso, algumas tradições indicam que, para diferenciar de tantos outros Tiago na época, ele era conhecido como “o Justo” devido à sua integridade. ³

Assim, Tiago passa de um irmão descrente a importante líder da Igreja e servo fiel até a morte. Ele foi martirizado por volta do ano 62 a mando do então sumo sacerdote Anano, conforme relatado por Eusébio de Cesareia. De acordo com o historiador da igreja primitiva Tiago se recusou a negar Jesus como Messias e foi apedrejado e, como não morreu, recebeu um golpe fatal com um bastão na cabeça. O relato ainda conta que enquanto era apedrejado Tiago orava pedindo que Deus perdoasse aqueles homens, pois não sabiam o que faziam. (Eusébio, Livro II, capítulo I)

A fonte da autoridade de Tiago

Tiago se apresenta como servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo. A palavra usada nessa passagem é doulos (δουλος) que também pode significar escravo (conforme usado na NVT). Embora não fosse um dos Doze “originais” ele era um apóstolo, era o líder da Igreja em Jerusalém, era irmão de Jesus. Apesar desses vários títulos que possuía, o que ele evoca para si é servo/escravo.

Ser servo de Deus era o que o autor considerava maior honra, até porque esse era o título de grandes homens do passado de Israel (como Moisés e Davi, por exemplo) e seus leitores tinham isso em mente. Porém, ele não se coloca apenas como servo de Deus, mas também do seu irmão a quem ele agora reconhece ser o seu SENHOR Jesus Cristo, colocando a si mesmo em uma posição de submissão e exaltando a Cristo.

Por algum motivo crescer junto de Jesus, na mesma família, na mesma casa, receber a mesma educação, conviver com ele por vários anos, não foram motivos para Tiago acreditar que seu irmão era o Messias. Mas encontrar o Cristo ressurreto e glorificado o fez entender quem era Jesus e reconhecer quem era Tiago.

Se reconhecer e identificar como servo do Senhor Jesus, se colocar em submissão a Ele era o maior título que Tiago poderia ter. Ele entendeu que a família em que nasceu, o “cargo” que exercia e a posição que ocupava na Igreja não eram a totalidade de quem ele era, nem o que dava autoridade a ele. Entendeu o que era ser um servo/escravo de Jesus. Aqueles títulos serviam a um propósito: ser um representante de Deus e do Senhor Jesus Cristo. O Nome que está acima de todo nome.

Muitas vezes focamos em uma busca por títulos que achamos necessários para sermos ouvidos. Achamos que precisamos de uma demonstração de autoridade anexa ao nosso nome para fazer o que Deus nos chama a fazer. Porém, a exemplo de Tiago, precisamos olhar para Cristo. Reconhecer quem ele é e a sua obra redentora e que somos seus servos/escravos e essa é toda a autoridade que precisamos para fazer o que Ele confiou a nós.

¹p. 26-42, Comentário Exegético de Tiago, Douglas J. Moo

²Eusébio de Cesareia, História Eclesiástica. Livro II, Capítulo XXIII

³Eusébio de Cesareia, História Eclesiástca. Livro II, Capítulo I

Referências

BRUNO, Chris. Tiago, irmão de Jesus. In:______. Paulo x Tiago: como conciliar suas (aparentes) diferenças no debate sobre fé e obras. São Paulo: Mundo Cristão, 2022.

DAVIDS, Peter H. Tiago. In: CARSON, D. A. et. al. (Org.). Comentário Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2009. p. 2030-2034

EUSÉBIO DE CESAREIA. História Eclesiástica. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

KEENER, Craig S. Tiago. In:______. Comentário Histórico-Cultural da Bíblia: Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2017. p. 790-793

MOO, Douglas J. O Comentário Exegético de Tiago. São Pulo: Shedd Publicações, 2020. p. 17-76