Nos anos finais da década de 1960, em um contexto de intensas transformações sociais e culturais que aconteciam no mundo todo, nos Estados Unidos tem início um movimento contracultural que influencia grande parte do cristianismo até hoje: O Jesus People Movement (Movimento do Povo de Jesus ou apenas Movimento de Jesus), que teve início em 1967 e durou até o final da década de 1970 alcançando muitos jovens que faziam parte da cultura hippie, que estava em destaque na época. Embora alguns resultados desse movimento sejam vistos até hoje em grande parte das igrejas (inclusive no Brasil), pouco se fala dele.
Antes de falarmos do movimento em si, vamos entender um pouco o que acontecia na sociedade norte-americana nos anos anteriores ao movimento e em seu início.
Contexto histórico-social do período
Em meados de 1950 e início da década de 1960, os Estados Unidos passava por uma certa secularização da cultura. O número de membros das igrejas protestantes estava em declínio e muitas das consideradas religiões orientais estavam ganhando notoriedade (como Budismo, Hinduísmo, Sociedade Internacional da Consciência Krishna ou Hare-Krishna, por exemplo). Isso chamou a atenção da mídia e algumas matérias foram publicadas sobre o tema. Uma das mais relevantes foi o artigo da revista Time, em 8 de abril de 1966, intitulado “Is God Dead?” (Deus está morto?).
Enquanto isso, na primeira metade da década de 1960, jovens estudantes da Universidade de São Francisco passaram a se estabelecer em Haight-Ashbury, por conta da proximidade com o campus e o baixo valor dos imóveis da região. Ali, em 1965 e 1966, começaram a chegar participantes do chamado movimento Beat (grupos de artistas boêmios, que tiveram maior visibilidade em São Francisco, Los Angeles e Nova York) que tinham ideais contraculturais e anti materialistas, rejeitando as ideias de progresso do pós-Segunda Guerra. Esse movimento deu origem aos hippies, que absorveram as ideologias e o estilo de vida da Geração Beat. Entre eles estavam:
1. Experiências religiosas e políticas alternativas – muitas ideias em comum com a chamada “nova esquerda” americana, mas tinham mais motivações religiosas (transcendentais) e não políticas;
2. Religiosidade “psicodélica” – longe de um ateísmo, o movimento era marcado por uma busca do transcendente, não como as religiões estabelecidas, mas de uma forma “livre”;
3. Eram contra o conservadorismo das igrejas;
4. Possuíam um estilo de vida comunitário, em uma busca de formar uma sociedade completamente comunitária;
5. Eram veementemente contra a Guerra do Vietnã.
Na metade da década de 1960 em diante alguns acontecimentos marcaram a sociedade estadunidense, entre eles as tensões da luta pelos direitos civis dos cidadãos Afro-americanos, lideradas por Martin Luther King; a revolução sexual (”Free Love” – quebra de tabus tanto nas relações hétero, como homossexuais) e o uso de drogas sendo intensificado, em especial de LSD (que gera efeitos alucinógenos), deixando de ser uma forma de tratamento psicoterápico e assumindo um papel quase religioso, com a ideia de que o uso dessa droga os levasse à experiências transcendentais.
No âmbito religioso cristão, o período foi marcado pelo crescimento de várias denominações pentecostais clássicas (como, por exemplo, Assembléia de Deus, Quadrangular, Holiness) e surgimento de diversas outras, devido aos desdobramentos do movimento, com eventos de cura, evangelismos e batismos com o Espírito Santo. Além disso, a publicação do livro The Cross and The Switchblade (A Cruz e o Punhal) de David Wilkerson, em 1962, teve grande impacto no meio pentecostal.
Início do Jesus People Movement
Não se tem registro de uma data inicial exata do movimento, mas é nesse contexto de intensas mudanças que surge o Jesus People Movement. Em 1967, com o crescimento do movimento hippie, que alcançava muitos na juventude norte-americana, alguns membros de igrejas começaram a fazer evangelismos nas ruas para conversar justamente com os esses jovens sobre a fé em Jesus. Conforme muitos deles se converteram a Cristo, eles mesmo se juntavam aos esforços de evangelismo e, por terem o mesmo estilo de roupas, fala e ideias contraculturais, tinham maior facilidade na aproximação com o público hippie e acabavam tendo muito efeito.
Esses evangelismos ocorreram em várias partes dos Estados Unidos e Canadá, mas não tinham conexão uns com os outros. O Jesus People Movement não era homogêneo, não possuía um único modo de práticas e nem de crenças, não possuía um líder “geral” e nem era de uma igreja específica, mas era formado por diversos movimentos menores, com diversas lideranças e ocorrendo em vários lugares ao mesmo tempo, mas que tinham um objetivo em comum: apresentar Jesus aos jovens e levá-los à fé nele.
Os participantes desse movimento eram conhecidos como Jesus People (povo de Jesus), mas antes de receberem esse nome foram chamados de Street Christians (cristãos de rua, por conta dos evangelismos) e Jesus Freaks (doidos/excêntricos de Jesus). Eles aceitaram bem o nome, pois viam em Jesus algumas semelhanças com eles. Consideravam que em aparência Jesus se parecia um hippie e, assim como eles nas décadas de 1960 e 1970, Jesus foi contracultural em seu tempo.
Auge do Jesus People Movement
Essa harmonia vista pelo Jesus People se tornou bem nítida quando, em 21 de junho de 1971, a capa da revista Time trazia uma imagem de um Jesus com cores psicodélicas e o título “Jesus Revolution”. Naquela edição havia um artigo que relatava um pouco do que estava agitando a juventude estadunidense. Os grandes batismos que aconteciam na costa do Pacífico acabaram chamando bastante atenção da sociedade e principalmente da mídia, pois muitos jovens hippies estavam abandonando uma vida de drogas e promiscuidade para abraçar a fé em Jesus, mas sem deixar seu estilo de se vestir, suas manifestações artísticas e ideais de transformar o mundo.
Assim como os hippies, o Jesus People também possuía habitações comunitárias, porém com grandes diferenças em seus valores. Eram lugares que possuíam regras de convivência, reuniões de estudos bíblicos e tarefas bem divididas. Além disso, haviam as cafeterias cristãs (coffeehouses), que eram lugares utilizados para evangelizar os jovens que passavam por lá. Nessas coffeehouses começaram a despontar alguns músicos cristãos, onde começou a ganhar visibilidade o Jesus Rock e surgiram diversos artistas e bandas cristãs desse estilo musical que estava “na moda”. A música foi um grande marco do Jesus People Movement, podendo ser considerado o fator que mais contribuiu para a expansão do movimento. Há relatos de bandas que viajavam por todo os Estados Unidos para tocar nos vários festivais que aconteceram durante o movimento e alguns países da Europa (principalmente Reino Unido e Escandinávia). Outras atividades que contribuíram muito para a expansão do movimento foram as apresentações de rua, as expressões artísticas e os jornais independentes.
Embora o movimento tenha iniciado fora das igrejas, com o tempo, ele foi entrando nas congregações. Isso levou a diversos tipos de reações, desde espanto, resistência e hostilidade até a um tipo de flexibilidade e colaboração. Era muito estranho na época, principalmente para os membros de igrejas mais tradicionais, ver jovens de cabelo e barba compridos, usando jeans frequentando seus cultos. Algumas vertentes do protestantismo não viram com bons olhos as crenças e as práticas do movimento que, embora não tivesse uma teologia bem definida, era essencialmente carismático/pentecostal se aproximando muito mais deste último, uma vez que davam grande valor às experiências de conversão e buscavam com grande fervor as manifestações e o batismo do Espírito Santo. Havia um clamor muito grande por curas e libertação (principalmente do vício nas drogas). Era comum encontrar relatos de jovens que se converteram dentro do movimento que testemunharam de uma experiência sobrenatural e transformadora nas suas vidas e que relataram intensas manifestações de poder do Espírito Santo em suas reuniões, fossem elas feitas nas communes (habitações comunitárias), nas igrejas, nas coffeehouses, nas universidades ou qualquer outro lugar que eles se reunissem.
Esse choque acabou levando ao surgimento de várias novas comunidades durante esse período. Quase todas com uma teologia pentecostal, pois essa era uma característica importante do Jesus People Movement. Vale lembrar que o movimento foi muito influenciado pela Renovação Carismática nas igrejas protestantes e em 1967 aconteceu o que ficou conhecido como a Renovação Carismática Católica. Esses acontecimentos permitiram que o movimento fosse diverso, contando não apenas com pentecostais, mas também protestantes mais tradicionais e católicos.
Como dito anteriormente, o Jesus People Movement era bastante heterogêneo, sendo formado por diversos movimentos menores com vários líderes e personagens que se destacaram, entre eles:
Dennis Bennet (1917-1971) era um pregador da Igreja Episcopal São Marcos, em Van Nuys, que por conta de experiências no falar em línguas estranhas e, a partir daí, seu entendimento sobre a manifestação do Espírito Santo, teve que deixar essa comunidade, se tornando pregador na Igreja Episcopal São Lucas, em Seattle. Lá ele não só teve contato com alguns participantes do Jesus People Movement como colaborou financeiramente com alguns do Jesus People e cafeterias do movimento.
Chuck Smith (1927-2013) cresceu na Igreja Quadrangular, onde começou seu ministério, mas em 1964 deixou a denominação devido à discordância com algumas ênfases e em 1965 mudou para uma pequena igreja chamada Calvary Chapel, que durante o período do Jesus People Movement obteve grande crescimento recebendo os jovens hippies de Costa Mesa, muitos deles trazidos por Lonnie Frisbee. A Calvary Chapel passou de uma pequena igreja para uma rede de igrejas presente em vários países e Chuck Smith teve influência no ministério de vários jovens líderes do movimento.
Lonnie Frisbee (1949-1993) foi um personagem controverso do Jesus People Movement. Chegou em Haight-Ashbury em 1967, para estudar arte e, precisando de um lugar para ficar, se estabeleceu em uma habitação comunitária do Jesus People, onde o cristianismo que ele conhecia superficialmente se tornou mais vívido. Em 1968 ele passou a frequentar a Calvary Chapel junto com sua esposa Connie onde, sob a liderança de Chuck Smith, se tornou um líder de jovens, realizando cultos, estudos bíblicos e evangelismos, que levaram milhares de hippies para a Calvary Chapel. No entanto, havia relatos de que Lonnie tenha tido uma vida dúbia, usando drogas e com relacionamentos homossexuais ainda enquanto atuava ministerialmente. Em 1971 ele deixou a Calvary Chapel e morreu em 1993.
Kenn Gulliksen era um dos jovens pastores sob a liderança de Chuck Smith na Calvary Chapel, onde ele liderava grupo de estudos bíblicos com adoração e música. Entre 1974 e 1979 ele começou a plantar congregações no sul da Califórnia, às quais ele deu o nome de Vineyard Fellowship que atraiu muitos músicos, entre eles um jovem chamado Keith Green. Esse ministério se tornaria mais tarde a Associação de Igrejas Vineyard, sob a liderança de John Wimber.
Keith Green (1953-1982) se converteu a partir dos estudos bíblicos de Gulliksen e ficou muito conhecido por suas músicas. Conta-se que o músico distribuía gratuitamente suas músicas para quem não podia pagar por elas. Em 1977 ele nomeou seu grupo como Last Day Ministries (Ministério dos Últimos Dias) e em 1979 se mudou para o Texas, onde estabeleceu a base de seu ministério. Tragicamente, Keith Green sofreu um acidente de avião em 1982, vindo a falecer aos 28 anos de idade, mas suas músicas continuam até hoje. Uma das mais belas e conhecidas é Oh Lord, You’re Beautiful (a versão em português é conhecida como “Senhor, Formoso És”).
Linda Meissner foi outra liderança controversa no Jesus People Movement. Liderou por alguns anos um movimento chamado Jesus People’s Army (Exército do Povo de Jesus). Iniciou ministerialmente enquanto ainda era adolescente servindo ao lado de David Wilkerson no Teen Challenge1 (Desafio Jovem) em Nova York. Ela afirmou que teve uma visão de um exército de crianças marchando por Seattle com bíblias nas mãos, e que durante uma viagem em Hong Kong Jesus a ordenou que voltasse para Seattle e Washington, que Ele levantaria um exército de jovens que trariam cura para o povo. Assim, voltou e começou a pregar em igrejas e escolas, mas sem muito sucesso, porém a partir de 1969 o Jesus People’s Army entrou em uma fase de rápido crescimento, quando ela passou a assumir um estilo que conversava bem com a juventude da época. Sob a liderança dela o movimento alcançou jovens em partes dos Estados Unidos e Canadá. Infelizmente, o crescimento do Jesus People’s Army chegou ao fim quando ela deixou seu marido e se juntou a David Berg, do Children Of God, e por conta disso o movimento se dividiu e muitos o deixaram.
Declínio do movimento
Ao longo da década de 1970, principalmente em seus anos finais, a presença dos jovens hippies se tornava cada vez mais comum nas igrejas, e elas foram assumindo algumas das características deles. Não somente as igrejas, mas toda a sociedade começou a absorver elementos da cultura hippie. Além disso, muitos dos jovens que faziam parte do movimento casaram, passaram a ter empregos e alguns entraram no ministério, tanto nas novas igrejas formadas no movimento como em igrejas clássicas já estabelecidas. Isso fez com que o movimento naturalmente perdesse a sua identidade contracultural, sendo uma transição para um período pós-1960 nas igrejas.
Contribuíram para o fim do movimento relatos de casos de abusos por parte de algumas lideranças de grupos dentro do Jesus People Movement. O caso mais notório foi o de David Berg, do Children of God, com relatos de que ele ensinava às moças a usarem de sensualidade para atrair homens para o movimento, entre outras acusações. Isso levou a criação de grupos para alertar e evitar que casos se repetissem, um deles conhecido como Free the Children of God (Libertem os Filhos de Deus). Assim o movimento foi chegando ao fim, sem uma data ou acontecimento específico, mas enfraquecendo aos poucos até encerrar por completo.
Legado
Apesar de alguns personagens controversos e acontecimentos negativos no movimento, os resultados positivos se sobressaem. Uma juventude que estava indo a passos largos para a perdição foi encontrada por Jesus. O impacto e o poder do Espírito Santo, transformando a vida e a mente daquela geração fez com que ela entendesse que a verdadeira mudança era de dentro para fora, no coração. Não precisavam mudar a forma de se vestir, nem seu estilo musical, ao contrário, se enraizados em Jesus e guiados pelo Espírito, isso poderia ser uma forma de alcançar e impactar o mundo e as gerações seguintes.
Isso foi o que aconteceu, principalmente na área da música, com o surgimento de novas bandas e estilos musicais no meio cristão. Junto a isso, os atritos e as contribuições entre o Jesus People e as igrejas moldaram um ao outro. As transformações nas igrejas nas décadas de 1960 e 1970 ecoam até hoje em muitas de nossas práticas eclesiásticas. Que possamos olhar para essa parte da história da igreja e valorizá-la como valorizamos outros períodos, aprendendo com os acertos e com os erros, lembrando que Deus não precisa de pessoas perfeitas para mudar a história, que o Espírito Santo usa quem Ele quer, por meio do Seu poder, usando as coisas loucas, confundindo as sábias. Com isso em mente, buscamos diariamente ser movidos pelo Espírito, viver em santidade, para sermos a Igreja de Cristo, pura e imaculada, levando seu nome a uma sociedade que precisa conhecê-lo verdadeiramente. Até que Ele venha.
- O Teen Challenge foi fundado pelo pastor assembleiano David Wilkerson em 1958, em Nova York, para ser um programa de evangelização e libertação de jovens das gangues e do vício nas drogas através do poder e do Batismo com o Espírito Santo. ↩︎
Referências
BUSTRAAN, Richard A. The Jesus People Movement: A Story of Spiritual Revolution among the Hippies. Eugene, Oregon: Pickwick Publications, 2014. E-book (238 p.).
ELSON, John. Is God Dead?. Time, [S. l.], v. 87, n. 14, 8 abr. 1966. Disponível em: https://content.time.com/time/subscriber/article/0,33009,835309-1,00.html. Acesso em: 18 dez. 2023.
SYNAN, Vinson. A renovação carismática nas principais igrejas: Dennis Bennet. In: SYNAN, Vinson. O Século do Espírito Santo: 100 anos do avivamento pentecostal e carismático. 1. ed. São Paulo: Vida, 2009. cap. 7, p. 209-211.
. Correntes de avivamento no final do século: Explosão jovem. In: SYNAN, Vinson. O Século do Espírito Santo: 100 anos do avivamento pentecostal e carismático. 1. ed. São Paulo: Vida, 2009. cap. 14, p. 498-500.
WALKER, John. O poder do Espírito Santo entre os jovens: O Movimento de Jesus. In: WALKER, John. A Igreja do Século 20: A História Que Não Foi Contada. 4ª. ed. São Paulo: Impacto, 2020. cap. 7, p. 95-107.
ZAGORSKI, Stan. The Alternative Jesus: Psychedelic Christ. Time, [S. l.], v. 97 n. 25, 21 jun. 1971. Disponível em: https://content.time.com/time/subscriber/article/0,33009,905202,00.html. Acesso em 21 nov. 2023.
Deus usa meios incríveis, infelizmente o ser humano trilha seu caminho, faz suas escolhas, boas ou ruins, todas tem suas consequências, vaidade, ego, mas não tenho dúvidas que Deus usou essas pessoas, trazendo luz a escuridão de muitos jovens, que em meio a busca da felicidade se apoiavam nas drogas, sexo e álcool
Mas esse homem foi levantado para fazer a diferença, o problema é lidar com ego, superego, escolhas certas levam a resultados certos, escolhas erradas ao fim trágico, triste e solitário
Então escolha o bem e sejamos felizes!